Com a guerra imperialista de 1914-18, fica claro que havia terminado a época progressista de
desenvolvimento e enriquecimento da sociedade, sob o sistema capitalista. As forças produtivas deixam
de crescer.
A partir de então, entramos na época histórica em que vivemos até hoje: uma época de decadência e
empobrecimento cada vez maiores da sociedade humana, cruzada por guerras terríveis, que destroem
homens e forças produtivas de forma massiva, ao mesmo tempo que é a época de maior desenvolvimento
da técnica.
Chega ao fim a época anterior, de tipo reformista. Daqui por diante, o proletariado e todos os explorados
vêem-se necessitados de fazer revoluções e guerras civis para acabar com o sistema capitalista em
decomposição, quer dizer, imperialista.
Começa a época das revoluções anticapitalistas, operárias ou socialistas. É também a época das contrarevoluções
burguesas. A primeira revolução operária triunfante, que inaugura esta nova época, é a
Revolução Russa de 1917. Com ela começa a revolução socialista mundial. Isto significa que, pela
primeira vez na história, o processo revolucionário não é uma soma de revoluções, e sim um só processo
de enfrentamento da revolução e da contra-revolução, à escala de todo o planeta, sendo as revoluções
nacionais episódios importantes deste enfrentamento mundial.
Estudando o desenvolvimento da Revolução Russa de Outubro, o marxismo revolucionário definiu o que
se convencionou chamar uma revolução "clássica". Isto nos obriga a pararmos para definir, em grandes
traços, suas distintas etapas e os fenômenos que nela ocorreram, para, depois, tomá-los como ponto de
referência, comparando-os com outras revoluções que aconteceram mais tarde e que tiveram
características distintas.
A Revolução Russa
A revolução russa se deu atrav6s de vários fenômenos ou acontecimentos. Entre eles, nos ocorridos na
revolução dc fevereiro se combinam características de fundamental importância.
a) A revolução de Fevereiro:
Resumindo, a revolução de fevereiro se caracteriza pelo seguinte:
Primeiro, é uma mobilização operária e popular urbana, de caráter insurrecional, sem ireção partidária,
embora os operários de vanguarda, em especial os educados pelos bolcheviques, cumpram um papel de
direção.
Segundo, essa mobilização urbana não derrota as forças armadas, mas somente provoca uma profunda
crise em seu seio.
Teceira, por seu objetivo imediato, pela tarefa histórica que cumpre, é uma revolução democráticoburguesa,
já que derruba o czar para instaurar um regime democráticoburguês.
Quarto, essa revolução democrático-burguesa é parte da revolução socialista internacional: mais
concretamente, é parte fundamental da luta do proletariado mundial para transformar a guerra imperialista
em guerra civil.
Quinto, também 6 parte da revolução.socialista na própria Rússia, já que o poder do czar não era só o dos
latifundiários, mas também em grande parte, era o poder da própria burguesia que havia pactuado com o
czar.
Sexto, também era parte da revolução socialista na Rússia porque a classe que havia derrotado o czar era a
classe operária como condutora do povo, principalmente dos soldados.
Sétimo, também era socialista porque os trabalhadores e o povo somente poderiam solucionar os
problemas diários que os angustiavam se enfrentassem de forma imediata os latifundiários e capitalistas,
que, com a queda do czar, tinham se transformado em inimigos imediatos e diretos dos trabalhadores.
Oitavo, tudo isso significava que a revolução de fevereiro colocava na ordem do dia a tarefa estratégica de
fazer uma revolução socialista nacional e internacional, na medida em que os explorados continuariam
sendo explorados se o processo revolucionário se detivesse na revolução de fevereiro e nas fronteiras
nacionais, quer dizer, se continuasse existindo um poder burguês.
Nono, os trabalhadores não eram conscientes de que a revolução que realizaram era socialista nos
aspectos que assinalamos e que exige, portanto, avançar até a tomada do poder pela classe operária.
Depois de fevereiro, os trabalhadores acreditavam que não era necessário fazer outra revolução. Por isso,
como Trotsky, chamamos de revolução inconsciente à de fevereiro.
Décimo, os partidos reformistas que dirigem o movimento operário e de massas, não satisfeitos em
defender o regime burguês e de compor um governo com a burguesia, inculcam no movimento de massas
o respeito ao regime burguês e combatem duramente a luta por levar a cabo a revolução socialista, com o
pretexto de que a revolução de fevereiro será toda uma época (ou seja, que o regime democrático burguês
poderia durar muito tempo), até que se possa colocar a revolução socialista (somente quando a Rússia
fosse um grande país capitalista); e que portanto a sua primeira tarefa era desenvolver o capitalismo.
b) O poder dual:
Como produto do triunfo da revolução de fevereiro, surge um regime absolutamente diferente do
czarismo, com amplíssimas liberdades democráticas, assentado num exército em crise e,
fundamentalmente, nos partidos pequeno-burgueses que dirigem o movimento de massas. Desaparece a
instituição monárquica czarista e passam a jogar um papel central, como instituição de governo, os
partidos operários e populares dirigidos pela pequena burguesia. Devido ao ascenso revolucionário, esse
regime é extremamente débil. A Terceira Internacional o definiu como um regime kerenskista, porque foi
Kerensky quem simbolizou suas diversas etapas.
Essa profunda revolução no regime político não se refletiu no caráter do estado, que continuava sendo um
instrumento da burguesia e dos latifundiários. Não se deu uma mudança nas classes que detinham o poder
estatal.
Mas, de qualquer maneira, se deu uma situação extremamente crítica em relação ao estado, que já se havia
dado em outras oportunidades, mas que na Rússia, depois de fevereiro de 1917, adquiriu um caráter
dramático. Abre-se uma etapa de subsistência do estado burguês, porém completamente em crise. Essa
crise é conseqüência do fato que o movimento operário e de massas, através de suas próprias instituições,
mandava, tinha poder em muitos setores da sociedade, tanto ou mais poder que o estado burguês. Os
órgãos de luta e de poder do movimento de massas foram os sovietes de operários, camponeses e
soldados, os sindicatos, os comitês de fábrica. Os sovietes eram organismos de poder "de fato". Em alguns
lugares, o povo fazia o que o soviete ordenava, não o que ordenava o governo. Em outros lugares, era o
contrário. Por isso o chamamos de poder dual ou duplo poder. Isto era dinâmico, mudava. Porém, tomado
de conjunto, o poder mais forte, quase dominante, eram os sovietes, não o governo burguês.
O poder soviético se assentava na crise do estado burguês, fundamentalmente na profunda crise das forças
armadas, em que os soldados não acatavam as ordens e desertavam aos milhares da frente de combate.
Diante desse estado semidestruído, o poder dominante era o operário, camponês e dos soldados.
Definimos o kerenskismo e o poder dual como um regime porque é uma combinação, embora muito
instável, de distintas instituições: o governo, a cúpula militar e os partidos burgueses e pequeno-burgueses
por um lado, e por outro, os sovietes e outras organizações operárias e populares.
O poder da burguesia vinha também dos próprios sovietes, porém de forma indireta, através de sua
direção. Os socialistas revolucionários e mencheviques tinham a maioria nos sovietes e convenciam os
operários, camponeses e soldados de que tinham que apoiar o governo burguês.
c) O golpe de Kornilov:
No transcurso da revolução russa ocorre, pela primeira vez na história (com a única exceção da repressão
à Comuna de Paris) um golpe contra-revolucionário de tipo burguês, capitalista. Houve quem opinasse
que o golpe de Kornilov era pró-czarista, a serviço dos latifundiários feudais. Trotsky polemizou contra
eles, insistindo em que era um golpe claramente pr&capitalista e contra-revolucionário, não pró-feudal.
Esse golpe, que nao triunfou, prenuncia futuros golpes da contra-revolução burguesa que mais tarde,
desgraçadamente, triunfaram: o de Mussolini, Chiang Kai Chek, Hitler e Franco.
Com Komrnilov surge, pois, um novo tipo de contra-revolução: a contra-revolução fascista,burguesa, não
feudal.
O golpe de Kornilov é derrotado pela mobilização da classe operária e de todos os partidos que se
reivindicam dos trabalhadores, que se unem para enfrentá-lo. Os bolcheviques mudam a sua tática. Até
então, vinham centrando todos os seus ataques contra Kerensky e colocando que devia ser derrotado e que
os sovietes deviam tomar o poder. Porém, quando Kornilov ataca, definem que esse golpe é o grande
perigo contra-revolucionário e chamam à unidade de todos os partidos operários e populares, em primeiro
lugar ao próprio Kerensky, para combater, de armas na mão, a contra-revolução de Kornilov. Passam a
um segundo plano os ataques a Kerensky. Deixam de exigir sua derrubada de forma imediata, como
tinham feito até então. Agora, denunciam Kerensky porque é incapaz de fazer uma luta revolucionária
conseqüente, apelando para medidas anticapitalistas audazes, de transição, para derrotar Kornilov.
d) O governo operário e camponês:
Para essa etapa da revolução, Lênin e Trotsky levantaram uma possibilidade política e uma palavra-deordem:
que os partidos reformistas (socialista-revolucionário e mencheviques) tomassem o poder, como
direção indiscutível dos sovietes. Tratava-se de fazer uma revolução que mudasse o caráter do estado,
construindo um novo sobre a base de instituições soviéticas. Se os partidos reformistas aceitassem a
proposta de Lênin, essa revolução seria pacifica. Ao mesmo tempo, se os reformistas o fizessem, os
bolcheviques se comprometiam a não apelar para a luta violenta para derrotá-los e sim para a luta pacifica
dentro dos sovietes, para tentar conquistar a maioria, e converter-se no partido governante desse novo
estado, o estado operário soviético. Essa política de Lênin e Trotsky foi rechaçada pelos partidos
reformistas, que se negaram a levar os sovietes ao poder.
Essa reivindicação ficou como uma hipótese teórica de amplas perspectivas para o futuro das lutas
revolucionárias, embora acreditemos que levou a algumas confusões sobre o desenvolvimento e o caráter
dessa política e o tipo de estado que surgiria se tivesse êxito.
e) A revolução de Outubro
Foi uma insurreição dirigida e organizada pelo partido operário marxista revolucionário, os bolcheviques.
Ganharam a maioria dos sovietes e os dirigiram a fazer uma revolução contra Kerensky, quer dizer, contra
o regime de fevereiro e seu governo, e fizeram com que os sovietes tomassem o poder. Foi definida por
Trotsky como a revolução consciente. Desta forma, mudaram o caráter do estado. Ao contrário da
revolução de fevereiro, com esta revolução não foi apenas o regime político que mudou, mas também o
caráter do estado: deixa de ser um estado a serviço da burguesia e nasce um estado da classe operária
apoiada nos camponeses e nos soldados. Não é uma revolução somente política, como a de fevereiro, mas
uma revolução social.
Como toda revolução social, a de outubro também é uma revolução política, porque inaugura um novo
tipo de regime, quer dizer, mudam totalmente as instituições que governam. Até outubro, governavam os
partidos burgueses e pequeno-burgueses reformistas, apoiando-se no exército burguês em crise. A partir
de outubro, desaparecem o exército e a polida da burguesia e deixam de governar os partidos burgueses e
pequeno-burgueses reformistas. Começa a dirigir o estado uma instituição ultra-demócratica e que
organizava o conjunto dos explorados: os sovietes de operários, camponeses e soldados. À frente destes
novos organismos ou instituições do Estado se coloca o partido bolchevique, que era um partido
revolucionário, internacionalista e também profundamente democrático, onde se discutia tudo através de
tendências, frações ou individualmente, e praticamente nada se votava por unanimidade.
f) A revolução econômico-social:
Cerca de um ano depois da revolução de outubro, se realiza a expropriação da burguesia. Foi uma medida
defensiva do~regime soviético, diante da sabotagem econômica dos donos das empresas industriais.
Embora a expropriação não seja produto de nenhuma mudança no caráter do Estado e do regime político,
que continua sendo o poder da classe operária e do povo (Estado)dirigidos pelos sovietes acaudilhados
pelo partido bolchevique (regime), é a grande revolução, porque transforma repentinamente as relações
sociais de produção. A partir da expropriação e estatização das indústrias, desaparece a burguesia como
classe social e se instaura a economia nacionalizada, planificada e operária.
Esta revolução, a mais importante de todas, embora não se dê na esfera política e sim na econômica, se
denomina revolução econômico-social. É a mudança total do caráter da economia.
g) A guerra civil:
É o enfrentamento final, armado, entre o proletariado e a burguesia. Esta, em unidade com o imperialismo
mundial, tenta fazer uma contra-revolução para reinstalar os burgueses e senhores de terra na propriedade
e no poder do Estado, e é derrotada. Durante meses e meses, se enfrentam um conjunto de exércitos
reacionários, contra-revolucionários, ligados aos diferentes imperialismos e a intervenção de fato de 21
países capitalistas, contra o exército vermelho. A guerra civil é a expressão da luta de classes, com
enfrentamentos entre territórios e exércitos inimigos, que refletem classes diferentes. Só depois da guerra
civil pode-se dizer que surgiu um governo unitário para toda a U.R.S.S.